Quando as palavras se perdem, o que o silêncio revela sobre nós?

A dificuldade de expressar sentimentos é uma queixa frequente na clínica e se manifesta de diversas formas: hesitação ao falar, lacunas na narrativa, medo da exposição emocional ou até mesmo uma sensação de um bloqueio interno. Para além de um traço de personalidade mais tímida ou um hábito comunicativo, essa dificuldade pode estar relacionada a processos psíquicos profundos que envolvem um histórico de repressão, de medo do julgamento das pessoas com quem se convive e vivências emocionais dolorosas mal elaboradas. A Ontoanálise, ao investigar a relação entre ser e linguagem, permite compreender como o ser vai se estruturando em sua expressão e quais barreiras internas o impedem de se comunicar de forma mais autêntica.
Sigmund Freud, em seus estudos sobre o inconsciente, apontou que a repressão de conteúdos emocionais indesejáveis pode gerar sintomas psíquicos e físicos. Quando a pessoa sente dificuldade em nomear suas emoções e hesita em declarar o que está sentindo, pode estar lidando com conteúdos recalcados que, por não serem simbolizados na linguagem, encontram outras formas de manifestação, como tensões corporais, ansiedade e preferência pelo isolamento. Isso pode levar ao que foi chamado mais tarde de “couraça muscular”, demonstrando que o bloqueio emocional muitas vezes se reflete no corpo, dificultando não apenas a fala, mas também a própria vivência dos sentimentos.
Além da história individual, que muitas vezes traz uma vivência de um em um meio onde suas emoções são invalidadas ou negligenciadas, às vezes desde a infância, fatores culturais e sociais também influenciam na solidificação dessa dificuldade. Em sociedades que valorizam a racionalidade e a produtividade, buscando a todo custo suprimir traços de vulnerabilidade, a expressão emocional mais fluida acaba sendo associada à fraqueza. Isso leva muitas pessoas a internalizarem um padrão de autocontrole excessivo, onde o silêncio e a contenção tornam-se estratégias de sobrevivência psíquica, uma “armadura” constante. O grande problema é que, se pensamos a relação entre linguagem e existência, lembramos que o ser humano se compreende e se constrói por meio da linguagem, em suas várias formas e expressões. Quando essa linguagem é truncada ou limitada na pessoa, a própria experiência de ser se torna fragmentada.
No contexto terapêutico, a ontoanálise busca criar um espaço onde a palavra possa emergir sem censura, permitindo que o indivíduo resgate sua capacidade de expressão autêntica e cada vez mais relaxada. Adotando técnicas que favorecem a associação livre, a escuta ativa e a análise das manifestações não verbais, vemos aos poucos se desbloquear os caminhos da fala. Daí, a importância do terapeuta como um facilitador da comunicação emocional, ajudando o paciente a (re)encontrar uma linguagem própria para seus afetos.
Superar a dificuldade de expressar sentimentos não significa apenas falar mais, ou falar com qualquer um, mas sim se apropriar da própria narrativa de vida, compreendendo os significados que cada emoção carrega. Esse processo envolve um mergulho menos doloroso na própria história, o reconhecimento das influências externas na formação da subjetividade e a construção de uma nova relação com a linguagem. A autenticidade, nesse sentido, não é apenas um objetivo terapêutico, mas um modo de existir com mais liberdade e inteireza.
Afinal, não é apenas o silêncio que fala, mas a forma como escolhemos rompê-lo. Na jornada da expressão leve, cada palavra encontrada é um passo em direção ao autoconhecimento e à conexão genuína com o outro.