Quando o sintoma tem nome: a solidão e o chamado à escuta de si

A literatura sempre soube o que a psicanálise apenas formalizou depois: o sintoma fala. Em Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, o personagem Raskólnikov vivencia o conflito psíquico de milhares de pessoas e que já encontrei nos meus atendimentos: uma angústia existencial profunda, disfarçada de racionalidade fria e de um suposto “controle total” da própria vida.

Raskólnikov, um jovem estudante, comete um assassinato com a justificativa ideológica de livrar o mundo de uma pessoa “inútil”, algo que, no momento do gesto, fazia todo o sentido. Mas logo o personagem mergulha num estado febril de culpa, de despersonalização e progressivo isolamento, que não se resolve nem com punição externa. Seu verdadeiro crime não foi apenas matar, mas da forma como a psicanálise contribui para perceber, ele se condena por tentar silenciar o desejo — esse ponto central que Freud tão bem nomeou — e que, sufocado, retorna como sintoma.

A partir da Ontoanálise, podemos ver na trajetória de Raskólnikov um colapso do ser, o mais propriamente o Dasein, conceito fundamental em Heidegger. Ele passa a viver desconectado do próprio sentido existencial, alienado de sua autenticidade, preso à lógica do “dever-ser” e às ideias dos outros. O que é crucial perceber no drama do personagem é que quando o ser foge de si, entra no que Heidegger chamou de “queda” — uma vida vivida no impessoal, no automático, no se faz assim, sempre foi assim. A crise, nesse contexto, é o início da abertura: um convite a reencontrar o próprio caminho.

Como ontoanalista, vejo na literatura uma aliada potente para a reflexão sobre os dilemas existenciais e as angústias. Sempre me fascinou o processo de identificação entre leitor e narrativa, aquele encontro em que o que o personagem vive, o leitor sente. E o que sente, pode ser nomeado — e tratado. Dostoiévski não cura Raskólnikov, mas entrega ao leitor a pergunta que todo processo terapêutico sério precisa fazer: O que, em você, foi calado por medo de não caber no mundo?

Prática terapêutica:

Então eu te trago esta sugestão, um exercício de autoconhecimento com o suporte da literatura. Escolha um personagem literário ou de um filme que te impactou profundamente. Pergunte-se:


— O que nele me incomoda ou emociona tanto?
— Em que medida essa história conversa com algo meu que ainda não foi dito?

Escreva um parágrafo livre respondendo a essas perguntas. Não se preocupe com estética. Apenas escreva. Esse gesto simples pode abrir caminhos simbólicos importantes para o seu processo de escuta interior.

Jacques Lacan é um dos mestre da Psicanálise que tenho lido mais recentemente. E ele ensinou o seguinte: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” — e a arte é uma das formas mais fiéis de acessar esse idioma do desejo.

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