Relacionamentos amorosos na Era da Desconfiança

Relacionamentos amorosos parecem cada vez mais frágeis e incertos. Entre expectativas idealizadas, dificuldades inúmeras de comunicar suas intenções e um cenário social que reflete medos e desconfianças no surgimento contínuo de suportes legais que desincentivam a aproximação amorosa, casais vivem o paradoxo de quererem se conectar e aprofundar suas relações, mas temerem as consequências dessa entrega. Neste artigo, exploramos os desafios contemporâneos dos relacionamentos, a partir da Ontoanálise, trazendo sua contribuição para compreender como traumas individuais e coletivos impactam a forma como nos vinculamos afetivamente.

Desafios e transformações sempre fizeram parte da construção de uma relação amorosa. Mas, nos tempos atuais, parece haver um ruído crescente entre o desejo de um relacionamento saudável e os obstáculos que surgem para sua construção. A desconfiança entre as pessoas, impulsionada por um contexto social que enfatiza a proteção contra danos emocionais e físicos, afeta diretamente os vínculos amorosos. Mecanismos importantes e válidos, sem dúvida, especialmente a nível jurídico, porém essas tônicas na proteção reverbera nas mentalidades. A comunicação deficiente, a intolerância à adaptação e o medo de exposição emocional dificultam a construção de relações sólidas, tornando os primeiros estágios do envolvimento uma fase ainda mais crítica.

A Psicanálise aponta para a dificuldade de conciliar desejo e segurança em estudos como o de Sandor Ferenczi. Ao falar sobre trauma, ele demonstrou como experiências de vulnerabilidade podem gerar estados de hipervigilância e resistência à entrega emocional. No contexto atual, isso se reflete na dificuldade em confiar no outro e na tendência a desistir do relacionamento ao primeiro sinal de desconforto. Essa sensibilidade exacerbada, que muitas vezes nasce de vivências passadas, se soma a uma sociedade que reforça a necessidade de autoproteção constante, tornando a intimidade um campo de batalha entre desejo e defesa.

A Ontoanálise contribui também para essa reflexão ao apontar que a relação entre duas pessoas é sempre um encontro de mundos internos, com suas histórias, expectativas e receios. Em vez de buscar um encaixe perfeito e instantâneo – uma visão romantizada que só causa mais frustração -, a compreensão de que o relacionamento é um processo em construção pode trazer mais leveza. Como um jogo, sabe? O medo da entrega muitas vezes reflete uma dificuldade de lidar com a própria vulnerabilidade, projetando no outro a responsabilidade por oferecer segurança absoluta. Mas nenhum relacionamento pode ser isento de riscos – confiar é um ato de abertura, de se lançar, e não de garantia.

Além disso, a forma como a comunicação se desenrola entre o casal tem um papel determinante na qualidade da relação. Muitos conflitos não surgem apenas das diferenças em si, mas da maneira como são expressos e recebidos. Quando a fala se torna um campo minado e qualquer desentendimento é interpretado como um indício de fracasso, a relação perde a oportunidade de crescer por meio do diálogo. Práticas de escuta ativa, reformulação de pensamentos e identificação de padrões comunicacionais prejudiciais podem ajudar a tornar o convívio mais harmonioso.

Outro ponto é a baixa tolerância ao período de ajustes no início da relação. Muitos casais esperam sintonia imediata e desistem rapidamente quando encontram dificuldades naturais do processo de se conhecer e se adaptar ao outro. O medo da frustração faz com que o impulso de evitar a dor supere o desejo de construir um vínculo significativo, o que se resolveria com paciência e disposição para o entendimento mútuo.

Em um mundo onde a desconfiança parece se tornar regra, resgatar a disposição para o encontro genuíno e resistir ao gesto de ruptura precipitada não significa ignorar sinais de alerta ou negligenciar o autocuidado, entenda-se bem. No entanto, é importante diferenciar o medo real das próprias feridas antigas projetadas na nova relação. Cultivar a autenticidade na comunicação, compreender os desafios naturais dos vínculos e desenvolver um olhar mais generoso sobre si e sobre o outro são passos fundamentais para construir relacionamentos mais saudáveis e significativos.

Cinco direcionamentos para recuperar a espontaneidade e confiança nos relacionamentos amorosos

  • Diferencie o medo real da projeção emocional – Muitas inseguranças em um relacionamento não vêm do presente, mas de experiências passadas que ainda ressoam no ser. A terapia ontoanalítica convida a reconhecer esses ecos emocionais, distinguindo quando o receio vem de algo concreto ou de uma memória afetiva que ainda não tenha sido ressignificada. Observar essa dinâmica permite reagir com mais liberdade ao presente, em vez de reproduzir padrões defensivos.
  • Exercite a escuta sem antecipação – A comunicação amorosa frequentemente se desgasta quando a pessoa já antecipa respostas, leituras ocultas e subtextos na fala do outro. A escuta genuína, que parte do que é dito e não do que se teme ouvir, ajuda a desfazer barreiras emocionais e permite que o relacionamento seja um espaço mais livre e acolhedor para ambos.
  • Aceite o fluxo do relacionamento sem necessidade de controle – A espontaneidade se perde quando a relação se torna um campo de constantes análises e avaliações sobre “se está funcionando”. Relacionar-se é um movimento vivo, que exige abertura para o inesperado. Em vez de tentar encaixar a experiência em expectativas romantizadas, a Ontoanálise sugere um olhar de presença e curiosidade pelo que se constrói no encontro real.
  • Reaprenda a confiar na sua própria percepção – Muitas pessoas vivem relacionamentos em estado de vigilância, duvidando dos próprios sentimentos ou esperando confirmações externas constantes para validar sua experiência. Problema: a confiança na relação passa, antes de tudo, pela confiança na própria percepção. O processo terapêutico pode ajudar a limpar os ruídos internos que distorcem o entendimento sobre o outro e sobre si mesmo.
  • Permita-se rir e errar sem medo do julgamento – A leveza e a autenticidade são componentes essenciais da intimidade, mas muitas vezes são sufocadas pelo medo da rejeição ou da interpretação errada. A Ontoanálise enfatiza que a construção de um vínculo saudável envolve também momentos de imperfeição e de humor, por que não?! Onde o ser pode existir sem o peso de precisar acertar sempre o riso pode ser compartilhado, a compreensão dos erros e a aceitação do próprio processo tornam a relação mais humana e verdadeira.

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